Localizada na Rua Presidente Quaresma, é frequentada por fiéis clientes do bairro e de outros pontos da cidade.
Por Adriana Brasil
José Braz, João, Nazareno, Francisco e Antônio. (Foto: Adriana Brasil) |
Em muitos lugares as barbearias foram extintas, assim como a profissão do barbeiro. Em Natal-RN, contam-se poucos estabelecimentos. E quem transita pelo bairro do Alecrim, precisamente no local em que ocorre aos sábados a feira da Rua Presidente Quaresma, já deve ter notado o pequeno salão que resiste ao tempo e às inovações dos salões de beleza. Ali, seis barbeiros com idades entre 45 a 74 anos atendem diversos clientes. Alguns deles, afeitos a uma boa prosa, são cheios de histórias para contar.
O salão de 30 metros quadrados funciona como barbearia há mais de 50 anos. O movimento no estabelecimento, que nunca teve nome, é geralmente tranquilo. “Há a clientela fiel, mas não se iguala ao passado”, recorda o antigo cliente Ângelo Andrade, 50 anos: “Houve tempos em que isso aqui era lotado. Eram filas de clientes para cada barbeiro atender”, diz. Em dias de festas populares o salão pipocava: “O bairro já foi mais festivo. Na festa de São Pedro, padroeiro do Alecrim, aqui ficava cheio. Em dia de casamento vinha noivo e os parentes cortarem cabelo e fazer barba. Dávamos a eles a prioridade no atendimento”, diz Ângelo, enquanto têm as mechas aparadas por Nazareno Oliveira, de 70 anos, que também foi barbeiro do pai do cliente.
Nazareno e Ângelo, encontro de amigos. (Foto: Adriana Brasil) |
Do outro lado do salão, Antônio Rodrigues, 70 anos, inicia mais um barbear, numa média de 15 por dia. Ele aplica com as mãos uma mistura de álcool e loção para “esquentar e amolecer os pelos” no rosto e pescoço do cliente, um senhor que está reclinado na poltrona, de olhos fechados. Em seguida, espalha com um pincel de crina de cavalo a espuma feita com creme de barbear e água na barba e bigode. Fixa uma lâmina descartável Wilkinson no navalhete e habilidosamente vai esticando a pele flácida do rosto com os dedos, fazendo a lâmina aparar pêlos nos sulcos e vincos na pele idosa do homem. De perto, pode-se ouvir o atritar do aço ao deslizar suavemente. Um aparelho de barbear descartável é utilizado para os acabamentos finais. Ao fim, a pele é enxugada com a toalha para retirar sobras de espuma e aplica-se uma loção refrescante com cheiro de alfazema, que espalha pelo salão, assim ocorre em vários momentos ao longo do dia.
Outros aromas comuns no ambiente são os masculinos musk e chipre. “No passado, utilizava-se a loção Água Velva, que era mundialmente famosa. Vendedores ambulantes frequentavam o salão vendendo loções artesanais feitas à base de álcool e cascas de laranja”, diz Antônio, um suboficial da Marinha, reformado por limite de idade. Ele explica por que trabalha ali: “Não quero ser como muitos conhecidos que ficam em casa aposentados, bebendo, engordando, sem ter o que fazer”. Ele conta que na Marinha fazia as vezes de barbeiro, aparando pêlos e cabelos dos colegas.
A manicure Maria Goretti e Luiz Fernandes. (Foto: Adriana Brasil) |
Maria Goretti Galvão, uma alegre manicure, é a única mulher que trabalha no local. Seu espaço de trabalho contrasta com o ambiente viril: sentada em frente a uma mesinha repleta de adesivos de animais fofinhos, rodeada por vasos de plantas que trouxe de casa, ela faz as unhas de Luiz Fernandes, de 64 anos, outro antigo cliente, que é comerciante nas redondezas. Diz que frequenta o salão “umas cinco vezes por dia”, brinca com os conhecidos, corta o cabelo, tira a barba e cuida das unhas. Ele explica a preferência e assiduidade: “O serviço é o melhor e eles sabem cuidar da minha barba de abacaxi (no jargão do barbeiro: barba difícil de aparar). Luiz frequenta o local há mais de 29 anos. Ele e os amigos barbeiros avaliam, saudosos, a qualidade do material de antigamente: citam navalhas das marcas Sueca, 3 Coroas, Filarmônica. Em volta deles, estão os móveis, quase todos com décadas de uso. Os barbeiros reconhecem que, com o tempo, a atividade que desempenham perdeu espaço e clientela diante das inovações que os salões tiraram grande proveito. O chamariz da atividade do barbeiro para com os frequentadores envolve naturalidade, perfeição do serviço e, sobretudo a identificação do público com aquele ambiente. Tudo ali é muito simples. Na bancada está apenas o essencial: talco, loções, colônias, tesouras, lâminas e muitos pêlos e cabelos espalhados pelo chão, frestas e gavetas.
Ao fim da tarde, sensação de volta ao passado: No fundo do salão está Nazareno dedilhando em seu violão, tocando e cantando canções antigas de Orlando Dias, Nelson Gonçalves e Núbia Lafayette. No olhar distante, a saudade.
O relato da repórter:
O relato da repórter:
Pauta “de supetão” trouxe aprendizado e
diversão
Em
uma manhã de sábado passei na feira do Alecrim para ver as barracas e
deparei-me em frente à velha barbearia. Imediatamente decidi: Será essa a minha
pauta! Fiquei a alguns metros de distância, observando o local. Achei aqueles
senhores muito sérios, trabalhando compenetrados. Pensava na melhor forma de
abordá-los (tímida e insegura, eu estava) até que um cliente sentado próximo à
porta percebeu a minha presença por ali: o Seu Luiz, com expressão séria, voz
grave, falou alto e todos lá dentro ouviram: “Tá olhando o quê, moça? Quer
entrar aqui? Se quiser, pode entraar! Ninguém morde, não!” Levei um susto, sorri,
sem graça, e andei rapidamente em direção ao barbeiro mais próximo: José Braz,
que estava sentado em uma bancada na entrada. Apresentei-me e falei sobre o
propósito de fazer a matéria sobre a barbearia. Ele riu, timidamente e olhou
para os colegas, que trabalhavam e olhavam-nos, curiosos. Fui para perto de
onde estavam, me apresentei e expliquei o projeto Fotec. Eles olharam-se confusos e então perguntei se
poderia observar o trabalho deles, fotografar e escrever uma matéria. Seu
Nazareno, sem tirar os olhos dos cabelos de um cliente, perguntou: “Essa
matéria vai sair aonde?” Respondi que era no site da Fotec, na internet. Ele
virou e exclamou, desconfiado: “NA INTERNET??”Sorri e disse que traria depois a
matéria impressa para que todos lessem. Eles aceitaram a proposta e foi quando
tirei da bolsa o caderninho, a caneta e a câmera fotográfica que sempre carrego.
Era mais de meio-dia e eu não tinha almoçado. A fome foi embora. Eu não tinha
feito pauta e nada sabia sobre o tema. Comecei a fazer perguntas e eles eram bem
objetivos. Era “sim” ou “não”. Pensei: “Ai meu Deus. Eu não sei como perguntar
e não pesquisei nada!” Afastei-me pensando em outra estratégia. Virei e vi seu
Luiz, muito sério olhando para mim. Goretti, que fazia as unhas dele, sorriu e fui
sentar perto deles. Seu Luiz logo puxa conversa. Enchi páginas do caderninho com
anotações e perguntas, graças a ele. Agradeci. Goretti percebeu meu
contentamento, porque disse: “Viu só? Falando com ele não deu pra você escrever
um monte de coisa?” Levantei e fui falar com os barbeiros, levando perguntas
mais bem elaboradas. Acabei me misturando ao local. Conversei com aqueles
trabalhadores e clientes durante a tarde toda. Cheiros e impressões, tudo eu
anotava. Saí naquele dia, quase às 19h, horário em que o local fecha. Ainda sem
fome, estava feliz e eufórica para escrever a minha matéria. Em casa e no meu
trabalho eu só falava da barbearia. Quando ganhamos mais uma semana para o dead
line, voltei lá no sábado seguinte, era um pouco mais tarde, às 15h. Assim que
entrei, seu Nazareno ao ver-me, sorriu e disse, sem tirar os olhos do serviço:
“Tenho um monte de histórias de barbeiro para contar”. Passamos o resto da
tarde conversando. Ele divertia-nos contando piadas e histórias passadas a
gerações. Ele estava feliz por ter sido parte de uma matéria e falou naquele
dia tudo o que quis sobre a sua vida e profissão. A impressão sobre tudo, pus no
texto. A prática proporcionou a mim autoconhecimento e a aplicação dos
ensinamentos dados em sala de aula me ajudou a construir um texto melhor. Eu
destaco nessa experiência duas dicas: a instalação de um dicionário no
computador e o conselho de observar para captar o ambiente. À repórter e aos
entrevistados essa matéria fez bem.
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